Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - As denúncias de deslocamentos forçados de comunidades envolvendo as obras para a Copa de 2014 no Brasil levaram a Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Moradia Adequada a divulgar boletim hoje (26), em Genebra, manifestando preocupação com a falta de diálogo do governo, em seus diferentes níveis, com a sociedade, no trato do problema. A Agência Brasil conversou sobre o assunto com integrantes de movimentos representativos da sociedade civil em algumas das cidades-sede da Copa do Mundo.
Em Belo Horizonte (MG), Joviano Mayer, das Brigadas Populares e do Comitê Popular da Copa, disse que “já há ações do poder público e da iniciativa privada que têm refletido violação dos direitos de populações pobres”. Citou, como exemplo, a construção de um viaduto na Avenida Antonio Carlos. No local, 60 famílias da comunidade Recanto FMG serão removidas.
Segundo Joviano Mayer, os valores indenizatórios são “abaixo do suficiente para as famílias poderem adquirir uma moradia adequada perto de onde atualmente vivem”. Do mesmo modo, os apartamentos oferecidos pela prefeitura para reassentamento de algumas famílias não oferecem condição de habitabilidade. “São famílias numerosas, com muitos filhos, e os apartamentos são pequenos, de 42 metros quadrados. Fora a quebra de vínculos de solidariedade da comunidade”, denunciou.
Ainda em Belo Horizonte, o Comitê Popular da Copa denunciou o processo de demarcação no entorno do Anel Rodoviário para remoção de famílias. “Além disso, há violações de direitos de outros setores, como os flanelinhas, que estão sendo perseguidos e presos”. O mesmo ocorre, disse Mayer, em relação aos grafiteiros, enquadrados por formação de quadrilha. “Várias ações repressivas sobre setores vulneráveis, seja de comunidades de periferia, seja de trabalhadores informais, como os feirantes de Belo Horizonte, que estão ameaçados de perder o seu local de trabalho”.
Mayer enfatizou que muitas comunidades ameaçadas de despejo não têm tido êxito na abertura de diálogo e da negociação com o Poder Público, o que foi acompanhado em algumas ocasiões pela própria relatora especial da ONU para a Moradia Adequada, Raquel Rolnik.
Em Fortaleza, capital do Ceará, Lizandra Serafim, da organização não governamental (ONG) Cearah Periferia, disse que estão acontecendo marcações de casas para remoções, principalmente de comunidades nos trilhos, pequenas favelas que cresceram ao longo da linha férrea e por onde vão passar veículos leves sobre trilhos (VLT). As entidades que integram o Comitê Popular da Copa têm feito um trabalho de conscientização dessas comunidades, afirmou Lizandra.
“O impacto é muito nefasto para essas comunidades. Há uma valorização muito grande de algumas regiões da cidade. E o capital imobiliário está super de olho e os preços já estão aumentando muito. Está tendo muita violência”, inclusive, perseguições políticas.
Um dos casos envolveu os funcionários do Escritório Frei Tito de Direitos Humanos, vinculado à Assembleia Legislativa do Ceará, que apoiava o Comitê Popular da Copa na divulgação de informações e oferecia subsídios em termos jurídicos. “Eles foram todos exonerados dos cargos há um mês. O panorama é esse”, disse.
Dulce Bentes, do Laboratório de Habitação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, assegurou que, ao contrário do que vem sendo noticiado na mídia, não existem mais conflitos relativos aos preparativos para a Copa do Mundo em Natal. No município de São Gonçalo do Amarante, onde deverá ser construído o novo aeroporto internacional, uma audiência pública discutiu os riscos da obra com a comunidade. O projeto foi aprovado pelo Ministério das Cidades.
“Não tem registro de problemas com remoções de pessoas”, garantiu Dulce Bentes. O município comprou duas áreas para realocação da comunidade de São Gonçalo do Amarante. Segundo ela, tudo foi feito com base em um antigo projeto que estava em curso e foi estimulado pela Copa de 2014.
As principais queixas do processo de preparação para a Copa em Recife (PE) estão relacionadas ao processo de transparência pública, disse Evanildo Barbosa, diretor da ONG Fase e do Programa Nacional de Direito à Cidade. “Ou seja, a dificuldade que nós temos tido é de estabelecer um diálogo mais permanente, mais aberto, com os organismos do governo estadual e dos governos municipais do Recife e de São Lourenço da Mata, onde a arena [estádio de futebol] será construída, para discutir com eles o processo de estruturação desse conjunto de obras que vão impactar o território urbano metropolitano”.
As obras de mobilidade urbana e seu planejamento, incluindo abertura de vias, construção de viadutos, exigem diálogo com a sociedade para que haja o controle social, segundo Barbosa, levando em conta os impactos sobre o meio ambiente.
No Rio de Janeiro, Marcelo Edmundo, da Central de Movimentos Populares, denunciou que as remoções estão sendo feitas arbitrariamente, “sem levar em consideração um direito fundamental que está na Constituição, que é o direito à moradia”.
Ele afirmou que comunidades que estão no local há cerca de 30 ou 40 anos estão sendo removidas, em nome das Olimpíadas e da Copa, “sem nenhum tipo de compensação efetiva e sem demonstrar mesmo a necessidade da remoção. A gente acredita que o Rio de Janeiro poderia dar um exemplo ao mundo em promover a Copa e as Olimpíadas sem despejos, ao contrário das cidades que sediaram os últimos Jogos”.
De acordo com Marcelo Edmundo, o que está por trás das remoções é o interesse especulativo imobiliário, de valorização da terra. Deu como exemplo a comunidade Vila Autódromo, em Jacarepaguá, ameaçada de despejo há muito tempo. “Não há a mínima necessidade de remoção. É só urbanizar, colocar saneamento, esgoto, melhorar a qualidade das casas”.
Afirmou ainda que ao mesmo tempo em que a prefeitura alega problemas ambientais para remover as famílias da Vila Autódromo, permite que ali próximo seja aterrada parte de um manguezal para fazer o Rock In Rio, evento musical . “É um pensamento, infelizmente, que vê o mais pobre como uma parte pouco importante na cidade”.
Em Curitiba (PR), Juliana Leite, do Observatório de Políticas Públicas e do Observatório das Metrópoles, falou da realocação de 300 famílias que vivem próximo do aeroporto. “Essa é a questão que está nos preocupando mais. E não se sabe ainda como isso vai ser feito”. O orçamento previsto para fazer a realocação é de R$ 80 milhões mas, segundo ela, “o estado afirma que só tem R$ 10 milhões”. A preocupação é saber como essas famílias vão ser indenizadas e como elas serão informadas de todo o processo.
A estimativa feita pela ONG Cidade, de Porto Alegre (RS), é que mais de 9 mil famílias vão ser reassentadas em função da Copa na capital gaúcha. O principal ponto, disse Sergio Baierle, da organização não governamental, é que “todas as obras programadas só atingem a população pobre. Não tem nenhuma [obra] precisando remover ninguém de bairro de classe média. Então, parece uma coisa planejada”.
Ele lembrou que a maior parte das comunidades pobres de Porto Alegre já acumulou várias conquistas ao longo de sua história, entre as quais a proximidade da escola, da creche comunitária, do posto de saúde, transporte público, além da infraestrutura das casas, englobando saneamento e rede de esgoto.
O reassentamento poderá acarretar problemas, uma vez que em áreas mais distantes os serviços já estão congestionados, disse Baierle. Acrescentou que muitas famílias ainda não sabem se vão ser atingidas. Nas obras de expansão do aeroporto, por exemplo, elas, ou ficam no aluguel social ou vão para habitações provisórias, chamadas de casas de passagem. Segundo Sergio Baierle, essas habitações têm 4 metros quadrados e, muitas vezes, abrigam até sete pessoas. “É uma situação inaceitável”.
As obras de grande envergadura, como o Rodoanel, são os principais problemas trazidos pela Copa em São Paulo (SP), apontou Benedito Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia e Central de Movimentos Populares.
Ele esclareceu que os grandes empreendimentos urbanos, como Águas Espraiadas e Águas Bravas, e as obras de alagamento da marginal do Rio Tietê, já despejaram muita gente. O mesmo ocorreu em relação à remoção das favelas. “A prefeitura alega que é área de risco, mas a gente acha que é por causa da Copa, porque é um processo muito grande de limpeza social da cidade. São muitas remoções”.
As ONGs estimam que na capital paulista pelo menos 200 mil famílias vão ser removidas. “Entendeu o tamanho do problema?”, perguntou Barbosa. As entidades alegam que vários projetos ambientais, como a implantação de parques lineares e megaparques, têm provocado impactos sobre a moradia. Em torno de 48 favelas estão ameaçadas de despejo em função de obras feitas somente na região da Represa Billings.
De acordo com a ONU, a promoção de eventos esportivos da magnitude de uma Copa do Mundo de Futebol ou dos Jogos Olímpicos, oferece oportunidades para a reorganização do espaço urbano. Adverte, contudo, que nem sempre os investimentos bilionários que são apresentados resultam em cidades mais justas e com moradia adequada para as populações. De acordo com a ONU, esses eventos constituem oportunidades valiosas para que os governos aumentem o acesso à moradia para as parcelas mais pobres da população, ampliando da mesma maneira o acesso à saúde, à qualidade de vida e ao lazer.
Edição: Aécio Amado
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