Recuperação de infratores ainda é gargalo no estado do pará
Cleide Magalhães
Da Redação
Muitos adolescentes egressos do sistema socioeducativo continuam na criminalidade e passam a fazer parte do sistema carcerário no Pará, que conta com 11.598 presos para 6.525 vagas nas cadeias do Estado. Possíveis explicações para essa realidade são as políticas públicas deficitárias voltadas aos adolescentes que cometeram ato infracional.
Ioná Silva de Sousa Nunes, promotora de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado (MPE), explica que as medidas socioeducativas são sentenciadas pela Justiça e envolvem a advertência, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade, internação e reparação de dano. As responsabilidades pela liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade cabem ao município; pela semiliberdade e internação, ao Estado.
Entretanto, ela afirma que há deficiências no serviço prestado principalmente pelo município, e que os resultados não são positivos, refletindo no ingresso do jovem adulto no sistema carcerário. "Para ajudar os adolescentes e ajudar na sua melhoria falta apoio técnico, capacitação dos servidores, educação, convênios, profissionalização, entre outras coisas. Diante desses problemas, muitos deles progridem com os delitos, que em 80% dos casos são contra o patrimônio. Com isso, partem para as etapas de internação e regime semiaberto e fechado. A proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é reestruturar os adolescentes em conflito com a lei para a vida adulta, mas diante desses problemas e da condição socioeconômica, muitos vão parar no sistema penal. A questão maior que implica nisso é a falta de investimentos, somos carentes de políticas públicas para a juventude", ressaltou a promotora.
Dados da Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data) da Polícia Civil mostram que no primeiro trimestre deste ano foram registrados 466 procedimentos com adolescentes infratores, envolvendo casos de furtos até homicídios. Deles, 159 eram de roubos simples e qualificados. No último dia 24, havia no Pará 291 adolescentes apreendidos, que estão sob tutela do Estado, nos três municípios em que existem unidades de medidas socioeducativas. Desses, 181 eram apreendidos com sentença judicial, dos quais 139 em Belém, 28 em Santarém e 14 em Marabá; e 110 eram provisórios, que aguardam sentença judicial (82 em Belém, 13 em Santarém e 15 em Marabá).
Mesmo depois de situação como a que ocorreu com uma adolescente de 15 anos, em novembro de 2007, que foi confinada com 20 homens em uma cela em Abaetetuba, nordeste paraense, ainda hoje não há espaço de atendimento socioeducativo feminino no interior do Estado. As garotas que cometem atos infracionais no interior são trazidas para Belém, onde cumprem a pena "rompendo com o vínculo familiar, o que prejudica sua recuperação e melhoria de vida", diz Ioná Nunes.
"Os meninos que são do interior dos municípios polo enfrentam também esse problema familiar, alguns têm apenas contato telefônico com a família uma vez por semana e ainda há situações em que a ligação não completa. Muitas vezes nos deparamos com graves casos em que os adolescentes são dependentes de drogas e quando estão deprimidos, por conta da abstinência, não há tratamento porque o serviço que existe é apenas ambulatorial e não é o suficiente para atender a essa séria problemática", denunciou a promotora. Na opinião dela, se o Estado investir em medidas preventivas, há possibilidade de melhorar a situação e minimizar a causa do problema, em vez de tratar somente as consequências deixadas pelas lacunas existentes nas medidas socioeducativas.
Tratamento desconsidera o eca, diz jornalista
Para atender 800 crianças e adolescentes que se encontram em situações de vulnerabilidade social, o Instituto Universidade Popular (Unipop) executa o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes em Instituições Assistenciais e Judiciais no Estado do Pará, em parceria com várias organizações da sociedade civil.
O objetivo, segundo o jornalista Max Costa, que coordena a equipe multidisciplinar do programa, é atuar no combate a qualquer tipo de violação de direitos de crianças e adolescentes que estão em conflito com a lei e estão sob a tutela do Estado, seja cumprindo medida socioeducativa de privação de liberdade ou semiliberdade, nos espaços da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap) ou em meio aberto, como liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade em espaços assistenciais como os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas).
"Os adolescentes que estão em conflito com a lei foram condenados à privação de liberdade ou medida socioeducativa e não a terem seus outros direitos negados, como saúde, educação e lazer. Mas, infelizmente, o que verificamos durante pesquisa é que o Estado é o primeiro a violar esses direitos. Quando falo de Estado não é governo, mas de instituição, pois o adolescente que está lá não tem estrutura para construir um novo projeto de vida. Muitas vezes eles entram nesses espaços e saem pior do que eram, porque sequer são asseguradas as normas do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo", avalia Max Costa.
Programa faz pesquisa para traçar perfil do público atendido
Nesse momento, o programa do Unipop está em processo de finalização de pesquisa quantitativa e qualitativa realizada com 20% dos adolescentes que hoje estão sob a tutela do Estado. A pesquisa se estende também para a mesma percentagem de pessoas que têm contato com os adolescentes, como familiares e agentes de proteção (monitores, cozinheiros, porteiros). A pesquisa, explica Max Costa, vai mapear aspectos da realidade do atendimento socioeducativo no Pará, dando suporte às demais ações do programa.
Recentemente, foi feito o processo formativo com educadores sociais, que receberam informações sobre compreensão da realidade social, direitos humanos, cidadania, proteção social, adolescência, drogas, sexualidade e configurações atuais das famílias, para que possam tratar desses assuntos nas rodas de conversa com adolescentes, familiares deles, servidores, agentes de segurança pública, conselheiros tutelares e organizações da sociedade civil que trabalham no acolhimento de adolescentes.
"Vamos mostrar que acreditamos neles, lutamos pelos seus direitos e que eles têm também deveres e devem ser responsabilizados", ponderou Max. A meta para este ano é atingir 300 adolescentes, 200 familiares, 200 agentes de proteção dos direitos de crianças e adolescentes, 50 conselheiros tutelares e 150 policiais militares e civis. Após a pesquisa, ela será levada ao conhecimento da sociedade por meio de seminários, audiências públicas, sessões especiais nas câmaras municipais e Assembleia Legislativa do Estado, e reuniões com a Defensoria Pública e Ministério Público do Estado.
"Vamos mostrar o estudo, propor soluções e avaliar ações de intervenção. Acreditamos que os adolescentes podem corrigir seus erros e serem ressocializados, mas é preciso que a rede de garantia de direitos, que a política de Estado funcione, oferecendo, por exemplo, espaço de cultura e lazer nos bairros periféricos, atividade extracurricular na educação como formas de incluí-los na sociedade. Precisamos parar de apenas condenar os adolescentes porque eles não estão somente matando, mas também morrendo e a criminalidade continua crescendo", disse o coordenador do programa.
Coordenadora garante que creas dão atenção especial a jovens
Segundo Ivone Maia, coordenadora de um dos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), os adolescentes que chegam aos 12 Centros de Referência Especializado em Assistência Social recebem atenção e são encaminhados conforme suas necessidades.
"A equipe de profissionais envolvidos procura extrair o máximo de informações possíveis para que o atendimento seja de fato eficiente e a família tenha suas garantias previstas em lei", afirmou a coordenadora.
Ivone Maia ressaltou que é necessário que, no processo de ressocialização dos jovens paraenses, haja articulação com outras políticas públicas, como as que envolvem educação, saúde e geração de emprego e renda.
"Digo isto porque, se formos verificar, a maioria dos adolescentes estão com baixa escolaridade ou nem mesmo são alfabetizados, moram em áreas bastante ‘precarizadas’ e são submetidos a todas as formas de violência, inclusive a violência da fome", destacou.
Ivone Maia adiantou que o Centro de Referência Especializado em Assistência Social construiu o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, que necessitará de aprovação tanto no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente quanto na Câmara Municipal, para que possam ser asseguradas as políticas voltadas para a proteção integral de crianças e adolescentes, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente .
"Essa rede local deve articular o maior número possível de organizações, com destaque para as que representam o poder público municipal, os conselhos de direitos e tutelares, a Justiça da Infância e Juventude, as entidades de atendimento, o Ministério Público, os órgãos de segurança pública, a Defensoria Pública, os centros de defesa de direitos e todas as demais organizações representativas da comunidade dispostas a contribuir", defendeu Ivone Maia.
Ela destacou que, além dos Creas, existem programas de transferência de renda e, recentemente, foi criado o Centro de Capacitação Profissional que oferece cursos profissionalizantes para as famílias advindas do programa Bolsa Família.
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Instituto Universidade popular – UNIPOP
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