Por Adriana Ximenes
Os sem-terrinha, filhos dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), têm despertado a curiosidade de muita gente quando participam junto a seus pais, de ocupações de terra, de despejos, das mobilizações em busca de direitos, a exemplo da Marcha de Luta pela Reforma Agrária e do Abril Vermelho.
Mas, afinal, quem são as crianças do MST? São crianças que carregam a experiência dura de uma ocupação, do medo da polícia e que, às vezes, é também itinerante como as escolas dos acampamentos. São filhas de trabalhadores, agricultores, desempregados. Pessoas, muitas vezes, excluídas da sociedade. Fazem parte de um universo de 22 mil famílias acampadas e 9,6 mil assentadas em todo o Estado de Pernambuco. De acordo com dados da própria secretaria do movimento, calcula-se que, para cada família, existam três crianças, resultando num total de 94,8 mil crianças convivendo com seus parentes sem terra.
Crianças que sentem os problemas e refletem sobre seu cotidiano diário, mesmo sem entenderem muito bem a razão de tudo o que está acontecendo. Que perguntam quem atirou de madrugada e brincam inventando seus próprios brinquedos; se mobilizam para exigir direitos e de pé, sentadas num banquinho ou até no chão, se dispõem a aprender a lição do dia. São marcadas por uma história de desafios e incertezas, na busca de soluções por uma vida melhor.
Segundo o principal líder do MST em Pernambuco, Jaime Amorim, apesar de ter como meta a luta pela distribuição de terra, no MST há uma grande preocupação com a educação. E, dentre as propostas de educação do movimento, está a de massificar o lema: "Nenhuma criança fora da escola". Para o líder do MST, os sem terrinha são diferentes da maioria das crianças. Vivem com esperança. "São lutadores acima de tudo", orgulha-se Amorim.
COMO VIVEM - Nos acampamentos de lona preta fincadas ao chão sobre o terreno "de ninguém". Dentro, os móveis se resumem a papelões para improvisar a cama na hora de dormir, fogão a lenha e alguns lençóis. A comida, quando tem, é basicamente da colheita na roça. Poucas são as vezes em que é repassada pelo Governo Federal ou as famílias recebem alguma doação. O piso das barracas é de barro e não há iluminação nem banheiro nos acampamentos. Água só dos açudes ou cacimbas próximas e, na maioria das vezes, sujas. Nas barracas - medindo cerca de três metros quadrados -, ainda dividem espaço com animais de estimação, correndo o risco de contrair doenças. Além disso, é comum os barracos abrigarem pessoas de famílias diferentes. Mesmo assim, as crianças demonstram uma alegria estampada no rosto sujo de terra. E, apesar de todos os problemas, elas querem seguir o trabalho dos pais.
EDUCAÇÃO - Os sem-terrinha, muitos nascidos sob as lonas pretas e em meio a confrontos com a polícia e fazendeiros, aprendem a ler e a escrever com palavras de sua realidade cotidiana: acampamento, assentamento, ocupação, terra, barraco, justiça. O processo de educação das crianças do MST inclui sentimentos como o amor pelas bandeiras do Brasil e do movimento, o lápis e a enxada, a produção e as máquinas. O princípio que define o caráter de educação dos sem terra é educar para a trasformação social. "A pedagogia repassada aos alunos tem como base teórica o Método Paulo Freire", afirma a coordenadora de Educação, Mauricéia Matias. Além do conteúdo normal das matérias, a proposta pedagógica do Movimento envolve ainda vínculo com a cultura. "Hoje em todos os assentamentos existem escolas. Em alguns acampamentos também", afirma Jaime Amorim. Em Pernambuco, o MST trabalha a educação em aproximadamente 350 escolas. Segundo estimativas da secretaria de Educação do MST, 60 mil alunos estão nas escolas dos assentamentos e acampamentos de todo o Estado. "Mas o número de crianças que não freqüenta a escola ainda é grande - aproximadamente 20 mil. Trabalhamos e orientamos os pais para que todas elas vão às escolas", esclarece Amorim. O núcleo de professores é formado em maior parte por voluntários e militantes do movimento - em torno de 800 educadores, a maioria com apenas o Ensino Médio.
SAÚDE - Além dos problemas de infra-estrutura, alimentação e educação, as crianças do MST sofrem ainda quando o assunto é relacionado à saúde. Sem médicos para atender nas áreas onde fincam seus barracos, a organização tenta contornar a situação com a prevenção de doenças, através de cursos oferecidos aos “militantes” da saúde, num trabalho de campanhas realizadas pelo movimento reunindo seus integrantes e profissionais voluntários. Entre as doenças mais freqüentes, está a verminose, contraída devido à falta de saneamento básico e higiene. A diarréia e a desnutrição, causada pela má alimentação e pela fome, também aparece com freqüência. As conseqüências das doenças podem ser notadas no corpo franzino dessas crianças. À noite, quando a temperatura diminui, elas são as que mais sofrem. Com o organismo debilitado, ficam predispostas a contrair doenças respiratórias como gripe e bronquite. As águas contaminadas também causam diversos males, como os problemas de pele. Devido à ausência de médicos, eles tentam ainda amenizar a incidência e o agravo de doenças com as visitas dos agentes de saúde. Quando precisam de cuidados de especialistas, vão aos hospitais públicos.
MOBILIZAÇÕES - Em Pernambuco, Estado recordista em ocupações de terra este ano, muitos sem terrinha participam ativamente das marchas pela reforma agrária. E, se para os adultos elas são consideradas uma das formas mais eficazes quando o assunto é reivindicação, com as crianças não poderia ser diferente. As mobilizações infantis são fruto de todo um processo vivenciado, de práticas e reflexões sobre a vida e, principalmente, sobre a educação que querem nos acampamentos e assentamentos da reforma agrária no MST. A realidade dessas crianças tem levado, segundo os coordenadores, a crescer significativamente, em todo o País, o número e tipos de mobilizações infantis. Em Pernambuco, aos poucos, elas aparecem como destaques. A exemplo do Encontro dos Sem Terrinha, uma das maiores e mais participativas - realizada sempre no mês de outubro - que, no ano passado, reuniu 3 mil crianças de todo o Estado. Dentre os tipos mais freqüentes estão ainda o acampamento-escola, a ocupação de órgãos públicos (se dá quando faltam escolas, professores, material escolar), participação em feiras de ciências, olimpíadas e festivais. E as crianças não se furtam a dar idéia de moblizações. “A gente conversa com os professores e com os pais para pedir o que precisa. E quando ganha, a gente fica muito feliz”, conta Simone Pereira de Melo, 11 anos.
Fonte:http://jc3.uol.com.br/lutapelaterra/movimentos3.htm
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