A criança e o adolescente em xeque: criminalização e o desmonte dos direitos sociais.
Camila Gibin
Apesar dos completados 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz em seu cerne a histórica luta em defesa do reconhecimento do público infanto-juvenil enquanto sujeito de direitos e importantes marcos indicativos a uma nova forma de sociedade, temos vivenciado bruscas ações que rompem com o estabelecido em lei e que deixam evidente o momento de criminalização contra a população pobre, dentre elas as crianças e os adolescentes.
Essa criminalização vem se perpetuando não só em âmbito executivo, com as já práticas violentas do Estado brasileiro que vemos cotidianamente, mas também no âmbito legislativo que traz discussões de formulações e reformulações de leis que sejam as justificativas para que a violência, que já acontece, seja ampliada e respaldada.
O Projeto de Lei 267/2011, da Deputada Federal Cida Borghetti (PP/PR) propõe acrescentar artigo o art. 53-A a Lei n.° 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente a responsabilização dos estudantes que desrespeitarem os professores, sendo suspendido das aulas e, em caso de um novo “ato”, encaminhados à autoridade judiciária para que esta decida as medidas necessárias a serem tomadas.
Assim, a judicialização e a criação de mais um mecanismo criminalizador e punitivo é utilizado contra a infância e a juventude pobre e seus familiares, sendo estes entendidos como “problemas” e arbitrariamente tidos como bodes expiatórios para tratar sobre o fracasso da educação no país.
A escola é uma das principais instituições de sociabilização do público infanto-juvenil, no qual há possibilidade da troca de experiências de âmbito particular para o universal, extrapolando as limitações físicas dos muros escolares. No entanto, as entidades educacionais tem demonstrado não saber lidar com essa totalidade devido o olhar fragmentado e tecnicista sobre o modelo de educação que apresentam. Por isso, as expressões pessoais do cotidiano de cada estudante são ignoradas pelo corpo técnico, não sendo identificada ou não sendo feito qualquer tipo de intervenção. Ignora-se que, muito deste cotidiano está fortemente marcado por uma cultura da violência, a qual é também fortalecida na escola.
O que temos, então, é nada mais do que adolescentes que, violentados e criminalizados em seu cotidiano por condições étnicas e sociais, são cobrados de, após sofrerem tais violências, responderem positivamente no ambiente escolar sem qualquer tipo de apoio. No entanto, as consequências desta omissão da escola diante os fatores somados em cada particularidade é respondido pela reprodução da violência nos ambientes escolares e pela falência escolar.
Com o PL 267/2011, novamente, o marco punitivo conta a infância se dá de forma individualizada e fragmentada, sem uma percepção contextual das relações sociais e do fracasso no processo educacional e educativo para com nossas crianças, que, no caso da escola, é mais um dos vários espaços repressores e autoritários que limitam a criatividade e a humanização, já que todo o aparato escolar indica uma lógica carcerária, seja pela sua estrutura física, seja pela sua pratica metodológica estigmatizadora, seletiva e punitiva contra os estudantes.
Assim como no espaço escolar, o Estado tem demonstra sua prática criminalizadora nas ruas, agora com a chamada internação compulsória de crianças e adolescentes usuárias de drogas, PL n° 673/11 proposto pelo Deputado Estadual Orlando Bolçone (PSB) em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (semelhante ao do RJ). O projeto prevê a internação de crianças e adolescentes sem as escutá-las e sem a autorização dos pais, ignorando o ECA e se respaldando em um falso discurso de saúde publica que se quer indaga as péssimas condições das clinicas de internação e das casas de acolhimento institucional. Atualmente o Sistema Único de Saúde - SUS e o Sistema Único da Assistência Social - SUAS preveem equipamentos fundamentais para asseguram a garantia dos direitos das crianças e de seus familiares, no entanto o investimento e a valorização destes espaços e dos demais que caracterizem as politicas sociais básicas são descaracterizados, não sendo debatido então a centralidade das questões que giram em torno da criança e do adolescente em situação de rua.
A criação desta lei passa a ser a justificativa para a continuidade no processo violento que se tem contra as crianças e os adolescentes em situação de rua, justificativa a qual vem a calhar para o estado opressor preocupado em dar sequencia a politica higienista, agora com maior intensidade em ocasião dos megaeventos. O resultado então é a violência durante a abordagem e a institucionalização, em clinicas, abrigos e Fundações Casa/Febem, tendo como pano de fundo o debate mal feito e mal fundamentado sobre as drogas.
Também para tirar as crianças e os adolescentes do transito, abraçando como justificativa a segurança, a Assembleia Legislativa do estado de São Paulo tem discutido o Projeto de lei nº 768/2011 que proíbe que menores de 18 anos de idade permaneçam desacompanhados dos pais/responsáveis nas ruas, bem como sua entrada ou permanência em restaurantes, bares, padarias, lanchonetes, cafés ou afins, em danceterias, boates ou afins, em lan houses, casas de fliperama ou afins ou em outros locais de frequência coletiva, das 23h30 às 5h.
Privar o direito fundamental de ir e vir indica, desde já, a prática de exceção do Estado que altera a qualquer custo os direitos elementares em detrimento de falsas preocupações, visto que o interesse maior também neste caso é o de controle, limpeza e criminalização, pois a pratica se fundará essencialmente contra a infância pobre, com utilização do aparato da Policia Civil ou Policia Militar – previsto claramente no projeto.
Essa ação já nos indica o quanto, para o Estado, a infância tem sido massacrada e tida como uma potencialmente violenta, devendo penalizá-la e retirá-la do convívio social a qualquer custo ao invés de propiciar políticas e espaços significativos para o desenvolvimento saudável e firmar as politicas sociais básicas. É também nessa logica que segue os debates sobre a redução da responsabilidade penal para 16 anos de idade, com os Projetos de Emenda Constitucional (PEC) que são realizados desde 1993. O que já temos atualmente é uma infância, uma adolescência e uma juventude violentada, que tem como única politica estatal a institucionalização, em especifico, o encarceramento de forma massiva.
Mais uma vez o Estado traça estratégias para penalizar a infância, colocando ela e seus familiares como responsáveis, ausentando a responsabilidade da sociedade e do poder publico no cuidado e no processo de desenvolvimento do publico infanto-juvenil. A fragilidade do debate sobre situação do conflito com a lei apresenta as evidencias da intencionalidade penal que se coloca em jogo, pois ao mesmo tempo que o Estado e a sociedade aponta contra a pratica infracional são eles quem legitimam a partir do descaso e do fomento a uma logica individualista e de marco central à propriedade privada. Além disso, sabemos que a juventude que tem sua historia massacrada atrás das grades tem classe e cor específicos – pobres e negros – remetendo a uma política de criminalização da pobreza.
Enquanto o movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente permanecer atuando apenas com uma perspectiva legalista, de defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente, a luta não se avançará. É preciso dimensionar nossas forçar para compreendermos o momento histórico vivido de total desmonte dos direitos sociais dos vários segmentos, com o descumprimento do Estado para com a própria legislação, fazendo desta o que bem entender de acordo com os interesses dominantes.
Devemos manter em vigência a necessidade de efetivarmos o principio da proteção integral à infância, mas devemos, para além, construir nossas ações junto as demais lutas sociais, dos diversos segmentos da classe trabalhadoras, visto que a ofensiva do Estado de não garantia dos direitos e de um olhar punitivo e criminalizador se dá com todos. Portanto, a luta pela infância não pode ser ingênua apenas como uma luta pela garantia do ECA. A luta pela infância é maior! É a luta classista, por uma nova sociedade a qual, com centralidade na solidariedade e na igualdade, efetive de forma natural e harmônica o que hoje temos que prever em lei.
*militante do movimento em defesa da Infância e Juventude e integrante do Coletivo Feminista Anastácia Livre
Apesar dos completados 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz em seu cerne a histórica luta em defesa do reconhecimento do público infanto-juvenil enquanto sujeito de direitos e importantes marcos indicativos a uma nova forma de sociedade, temos vivenciado bruscas ações que rompem com o estabelecido em lei e que deixam evidente o momento de criminalização contra a população pobre, dentre elas as crianças e os adolescentes.
Essa criminalização vem se perpetuando não só em âmbito executivo, com as já práticas violentas do Estado brasileiro que vemos cotidianamente, mas também no âmbito legislativo que traz discussões de formulações e reformulações de leis que sejam as justificativas para que a violência, que já acontece, seja ampliada e respaldada.
O Projeto de Lei 267/2011, da Deputada Federal Cida Borghetti (PP/PR) propõe acrescentar artigo o art. 53-A a Lei n.° 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente a responsabilização dos estudantes que desrespeitarem os professores, sendo suspendido das aulas e, em caso de um novo “ato”, encaminhados à autoridade judiciária para que esta decida as medidas necessárias a serem tomadas.
Assim, a judicialização e a criação de mais um mecanismo criminalizador e punitivo é utilizado contra a infância e a juventude pobre e seus familiares, sendo estes entendidos como “problemas” e arbitrariamente tidos como bodes expiatórios para tratar sobre o fracasso da educação no país.
A escola é uma das principais instituições de sociabilização do público infanto-juvenil, no qual há possibilidade da troca de experiências de âmbito particular para o universal, extrapolando as limitações físicas dos muros escolares. No entanto, as entidades educacionais tem demonstrado não saber lidar com essa totalidade devido o olhar fragmentado e tecnicista sobre o modelo de educação que apresentam. Por isso, as expressões pessoais do cotidiano de cada estudante são ignoradas pelo corpo técnico, não sendo identificada ou não sendo feito qualquer tipo de intervenção. Ignora-se que, muito deste cotidiano está fortemente marcado por uma cultura da violência, a qual é também fortalecida na escola.
O que temos, então, é nada mais do que adolescentes que, violentados e criminalizados em seu cotidiano por condições étnicas e sociais, são cobrados de, após sofrerem tais violências, responderem positivamente no ambiente escolar sem qualquer tipo de apoio. No entanto, as consequências desta omissão da escola diante os fatores somados em cada particularidade é respondido pela reprodução da violência nos ambientes escolares e pela falência escolar.
Com o PL 267/2011, novamente, o marco punitivo conta a infância se dá de forma individualizada e fragmentada, sem uma percepção contextual das relações sociais e do fracasso no processo educacional e educativo para com nossas crianças, que, no caso da escola, é mais um dos vários espaços repressores e autoritários que limitam a criatividade e a humanização, já que todo o aparato escolar indica uma lógica carcerária, seja pela sua estrutura física, seja pela sua pratica metodológica estigmatizadora, seletiva e punitiva contra os estudantes.
Assim como no espaço escolar, o Estado tem demonstra sua prática criminalizadora nas ruas, agora com a chamada internação compulsória de crianças e adolescentes usuárias de drogas, PL n° 673/11 proposto pelo Deputado Estadual Orlando Bolçone (PSB) em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (semelhante ao do RJ). O projeto prevê a internação de crianças e adolescentes sem as escutá-las e sem a autorização dos pais, ignorando o ECA e se respaldando em um falso discurso de saúde publica que se quer indaga as péssimas condições das clinicas de internação e das casas de acolhimento institucional. Atualmente o Sistema Único de Saúde - SUS e o Sistema Único da Assistência Social - SUAS preveem equipamentos fundamentais para asseguram a garantia dos direitos das crianças e de seus familiares, no entanto o investimento e a valorização destes espaços e dos demais que caracterizem as politicas sociais básicas são descaracterizados, não sendo debatido então a centralidade das questões que giram em torno da criança e do adolescente em situação de rua.
A criação desta lei passa a ser a justificativa para a continuidade no processo violento que se tem contra as crianças e os adolescentes em situação de rua, justificativa a qual vem a calhar para o estado opressor preocupado em dar sequencia a politica higienista, agora com maior intensidade em ocasião dos megaeventos. O resultado então é a violência durante a abordagem e a institucionalização, em clinicas, abrigos e Fundações Casa/Febem, tendo como pano de fundo o debate mal feito e mal fundamentado sobre as drogas.
Também para tirar as crianças e os adolescentes do transito, abraçando como justificativa a segurança, a Assembleia Legislativa do estado de São Paulo tem discutido o Projeto de lei nº 768/2011 que proíbe que menores de 18 anos de idade permaneçam desacompanhados dos pais/responsáveis nas ruas, bem como sua entrada ou permanência em restaurantes, bares, padarias, lanchonetes, cafés ou afins, em danceterias, boates ou afins, em lan houses, casas de fliperama ou afins ou em outros locais de frequência coletiva, das 23h30 às 5h.
Privar o direito fundamental de ir e vir indica, desde já, a prática de exceção do Estado que altera a qualquer custo os direitos elementares em detrimento de falsas preocupações, visto que o interesse maior também neste caso é o de controle, limpeza e criminalização, pois a pratica se fundará essencialmente contra a infância pobre, com utilização do aparato da Policia Civil ou Policia Militar – previsto claramente no projeto.
Essa ação já nos indica o quanto, para o Estado, a infância tem sido massacrada e tida como uma potencialmente violenta, devendo penalizá-la e retirá-la do convívio social a qualquer custo ao invés de propiciar políticas e espaços significativos para o desenvolvimento saudável e firmar as politicas sociais básicas. É também nessa logica que segue os debates sobre a redução da responsabilidade penal para 16 anos de idade, com os Projetos de Emenda Constitucional (PEC) que são realizados desde 1993. O que já temos atualmente é uma infância, uma adolescência e uma juventude violentada, que tem como única politica estatal a institucionalização, em especifico, o encarceramento de forma massiva.
Mais uma vez o Estado traça estratégias para penalizar a infância, colocando ela e seus familiares como responsáveis, ausentando a responsabilidade da sociedade e do poder publico no cuidado e no processo de desenvolvimento do publico infanto-juvenil. A fragilidade do debate sobre situação do conflito com a lei apresenta as evidencias da intencionalidade penal que se coloca em jogo, pois ao mesmo tempo que o Estado e a sociedade aponta contra a pratica infracional são eles quem legitimam a partir do descaso e do fomento a uma logica individualista e de marco central à propriedade privada. Além disso, sabemos que a juventude que tem sua historia massacrada atrás das grades tem classe e cor específicos – pobres e negros – remetendo a uma política de criminalização da pobreza.
Enquanto o movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente permanecer atuando apenas com uma perspectiva legalista, de defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente, a luta não se avançará. É preciso dimensionar nossas forçar para compreendermos o momento histórico vivido de total desmonte dos direitos sociais dos vários segmentos, com o descumprimento do Estado para com a própria legislação, fazendo desta o que bem entender de acordo com os interesses dominantes.
Devemos manter em vigência a necessidade de efetivarmos o principio da proteção integral à infância, mas devemos, para além, construir nossas ações junto as demais lutas sociais, dos diversos segmentos da classe trabalhadoras, visto que a ofensiva do Estado de não garantia dos direitos e de um olhar punitivo e criminalizador se dá com todos. Portanto, a luta pela infância não pode ser ingênua apenas como uma luta pela garantia do ECA. A luta pela infância é maior! É a luta classista, por uma nova sociedade a qual, com centralidade na solidariedade e na igualdade, efetive de forma natural e harmônica o que hoje temos que prever em lei.
*militante do movimento em defesa da Infância e Juventude e integrante do Coletivo Feminista Anastácia Livre
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