Crianças e mulheres, a nossa luta é a mesma!
O movimento feminista e o movimento em defesa da infância e juventude e sua relação para o avanço das lutas pela emancipação humana.
O movimento feminista e o movimento em defesa da infância e juventude e sua relação para o avanço das lutas pela emancipação humana.
Camila Gibin*
A sociedade atual se sustenta a partir das relações de exploração e de opressão contra a classe trabalhadora, se reestruturando a todo o momento para que mantenha uma lógica que indique como centralidade a valorização da propriedade privada em detrimento de qualquer outra questão. Para melhor garantir sua eficácia, o sistema capitalista conta com as relações de opressão a partir do gênero/sexo, da opção sexual, da raça/etnia e da faixa etária.
O “ser” branco, do sexo masculino, adulto e heterossexual é o perfil simbólico tido como o ideal de humanidade para o pensamento hegemônico, fortalecendo a ideia de sociedade patriarcal, argumento este justificativo às práticas violadoras contra aqueles que são ou que correm trajetos contrários a estes definidos.
Neste leque de setores da classe trabalhadora, de explorados e oprimidos pelo capital, temos as mulheres e o público infanto-juvenil, ambos submetidos aos opressores que, historicamente, os caracteriza como artigos/instrumentos do trabalho e do comércio/consumo. A relação que o capital constrói junto aos sujeitos é a relação de posse/propriedade entre si mesmos: o patrão para com os trabalhadores, esposas e filhos; e os trabalhadores também para com suas esposas e filhos, apesar de neste ultimo caso a complexidade da relação de posse se tornar maior por haver em jogo uma necessidade de subsistência, sendo as mulheres e os filhos entendidos como instrumentos de trabalho para que a renda familiar aumente, e então se consiga sobreviver com uma possibilidade a mais, ainda que não a ideal.
Essa desvalorização e não reconhecimento do publico feminino é marcado em tempos anteriores ao do desenvolvimento do capitalismo. No sistema escravista, as mulheres escravizadas eram aquelas vendidas a um custo mais baixo, sendo consideradas então de menor valor e significância, mesmo que desenvolvessem tarefas tão árduas quanto as realizadas pelos homens, e até mesmo mais perigosas, como no caso das atribuições nos engenhos nas quais a divisão sexual do trabalho destinava às mulheres a tarefa de colocar as canas na moenda, considerado o trabalho mais perigoso. A infância e a juventude eram vistos com a mesma concepção, desvalorizados moralmente e com um custo de compra e venda inferiorizado, quando não era simplesmente descartados e assassinados (como no caso das embarcações negreiras que, para deixar os navios mais leves jogavam em alto mar as crianças), o que vinha a afirmar a desqualificação moral.
Com o desenvolvimento das forças produtivas temos as novas possibilidades de leitura da organização familiar, que convida, a priori, as mulheres para os espaços públicos de trabalho e em seguida as crianças, com o interesse no aumento da lucratividade das produções. Essa alteração entre “mundo privado” para “mundo publico”, frequentado pelas mulheres, contribuiu significativamente para alterações nas relações entre homens e mulheres, estimulando e potencializando o pensar crítico feminino que combata as relações de opressões. No entanto, apesar do avanço nas relações entre os sexos que a inserção no mundo do trabalho sugere não significa que as desigualdades tenham sido (ou sejam) superadas, visto que o próprio trabalho doméstico e a disseminação da ideia de submissão da mulher perante o homem mantiveram-se e é também utilizada em favor do capital ao explorar ainda mais a força de trabalho feminina com o pagamento de baixos salários quando comparado ao dos homens.
A Igreja teve papel ideológico central a perpetuação da idéia de submissão da mulher, alimentando que, mesmo que as trabalhadoras passassem a frequentar os espaços publicas eram elas ainda consideradas as responsáveis pelo cuidado dos filhos e do ambiente doméstico. A mãe-trabalhadora, então, não conquista os espaços de creches dentro de uma linha de pensamento que a enxerga com autonomia e com igualdade entre os sexos, e sim dentro de uma proposta de mantê-la no ambiente de trabalho para o aumento da produtiva e para que as senhoras abastardas e as religiosas, quem cuidavam das creches, pudessem controlar e cobrar das mães-trabalhadoras a sua responsabilidade diante os valores e a moral da família.
Juntamente com o publico feminino, o processo de desenvolvimento e de natureza da produção capitalista aponta a infância e juventude como potencialmente necessárias à mais-valia. A infância pobre passa então a adentrar as fábricas sendo exploradas e oprimidas de forma ainda mais drásticas do que as mulheres. No Brasil, a preocupação com a presença infantil nos ambientes de trabalho se deu no inicio do século XX, quando a questão é colocada em pauta pelos movimentos operários, sendo conquistada a regulamentação do mesmo, com um olhar mais cuidado a este segmento. Foi inserido também pelo Estado a necessidade de escolarização das crianças e dos adolescentes dentro de um plano político de educar para o trabalho, que na década de 30 já fazia parte de uma estratégia para firmar políticas nacionais e fortalecimento da ideologização de Estado-Nação.
Ao mesmo tempo em que se avança na conquista dos direitos a infância, avança-se, também, na conquista dos direitos das mulheres, pois a garantia a criança frequentar espaço educacional permite que suas responsáveis, sempre tidas como únicas na função domestica de cuidar do processo educativo dos filhos, vão trabalhar sem necessitarem se preocupar intensamente com os cuidados de seus filhos.
Neste aspecto também estão os casos por luta pelas creches, reivindicação a qual pertenceu a bandeira de luta dos movimentos feministas brasileiros na década de 80, sendo entendido nesse período que o direito da criança ao cuidado de programas específicos do estado era também um direito a família. Com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, temos regulamentado que o acesso a educação formal e informal é um direito assegurado as crianças e aos adolescentes, que vem a garantir um pleno desenvolvimento cognitivo/social da infância, bem como é apontado que o dever ao cuidado desta não é apenas da família, sendo então o estado e a sociedade responsáveis em desenvolver ações que contribuam com o processo de desenvolvimento da criança e do adolescente e permita que a família/ responsáveis (que culturalmente se dá pelo papel da mulher – principalmente nos novos arranjos familiares, nos quais o papel da mulher/mãe costuma-se ser central, sem a presença paterna.) organize-se e explore os espações públicos.
Atualmente o que temos é a inserção do publico feminino no mercado de trabalho precarizado (jornada de trabalho costuma ser de meio período, com redução salarial e sem registro em carteira), que de forma enganosa se apresenta às mulheres como uma boa alternativa para que consiga conciliar o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos com o trabalho externo. Esta acaba por ser uma escolha (isso quando há possibilidade de escolha) das mulheres trabalhadoras que, mesmo sendo exploradas, optam para que tenham tempo livre para o cuidado dos filhos e da casa, visto a inexistência de politicas sociais suficientes e de qualidade que venham a atender as demandas especificas do cuidado as crianças e dos cuidados domésticos, como creches e lavanderia publicas. Então, apenas a família se responsabiliza pelo cuidado das crianças, a qual acaba por se forçar a realizar trabalhos precários para conseguir lidar com toda demanda cotidiana e ainda ajudar nas despesas de casa com o baixo salário recebido.
Ao violar os direitos das mulheres, o Estado viola, consequentemente, os direitos da infância, e vice versa. Isto porque, além de ambos setores serem igualmente inferiorizados e descaracterizados pelo capital, estão relacionados culturalmente e afetivamente entre si. Assim, o movimento inverso também, de conquista dos direitos das crianças acarreta na conquista e fortalecimento dos direitos das mulheres, sendo necessário resgatarmos a luta de defesa da infância nos movimentos feministas, pois para nenhum outro setor essa relação de avanço na luta dos direitos se deu historicamente e se dá de forma tão intensa e característica.
O transformar de uma nova cultura e de um novo olhar humanitário está diretamente relacionado a outra forma de sociabilidade, construída e exercida coletivamente, em que a classe trabalhadora - em especial as mulheres - é a única responsável e capaz de colocar em pauta este debate para indicar os caminhos necessários a superação das relações de opressão contra as mulheres e contra as crianças e os adolescentes.
*militante do movimento em defesa da Infância e Juventude e integrante do Coletivo Feminista Anastácia Livre
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