Por Camila Gibin - militante do Fórum Regional DDCA - Sé e do Coletivo de forma-ação em gênero e lutas feministas.
A cada ano de vida que completamos temos o costume de realizar um balanço sobre o período vivido, pensando as conquistas, as derrotas e os desafios que estão por vir para a próxima jornada. Não diferente se faz quando o Estatuto da Criança e do Adolescente soma mais um ano desde sua promulgação, em 1990.
Muitos pensadores e militantes da área da infância se preocupam em fazer o resgate histórico e pontuar a significância da lei e as dificuldades de sua execução, no entanto, para falar sobre esses 21 anos, pretendo não mais pensar no passado – mesmo compreendendo o cunho histórico e politico do ECA – mas sim no presente o no futuro, fazendo uma análise do ECA inserido a um contexto social e politico marcado por um Estado opressor para com nossas crianças e nossos adolescentes.
É nesse cenário de mudanças bruscas da lógica do capital, com projetos marcados pelo neodesenvolvimentismo, que se encontram as marcas da infância no Brasil. Em épocas de Megaeventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e das chamadas “cidades empresas” vemos, mais uma vez, o desvio da riqueza publica a favor do interesse do capital.
O que temos, então, é a firmação de um Estado de exceção, o que reflete na flexibilização das leis/regras sociais em detrimento da viabilidade dos negócios. Desta forma, o direito a moradia, por exemplo, é ignorado e massacrado, com a pratica dos agressivos despejos da população para que se construam, no local onde moradores traçaram suas historias de vida, obras ditas como necessárias para que ocorram os megaeventos. E qual solução que se dá para as famílias despejadas? Bom, a resposta já sabemos.
Nesse leque de problemáticas, está também o direito das crianças e dos adolescentes que, de “prioridade absoluta”, como previsto no ECA, torna-se também de “exceção”, sendo o interesse do mercado colocado acima da defesa do publico infanto-juvenil. As consequências disto é o agravamento da situação de vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes pelo não reconhecimento deste publico pelo Estado como sendo um segmento importante e que exige cuidados específicos, pelo contrário, são vistos como mais um impecílio para que se firme o mercado das cidades turísticas havendo a necessidade, inclusive, da intensificação na prática violenta de higienização da infância pobre, moradora de rua, em prol de manter as cidades com cara de “cartão postal”. Ao mesmo tempo em que o Estado maltrata aquelas crianças que vivem nas ruas, estimula para que mais destas caiam nessa situação, seja pela não garantia dos direitos sociais básicos a toda a família e pelas bruscas violações que vem ocorrendo em prol os jogos esportivos-mercadologicos. Ainda sobre estas, está a grave situação da exploração sexual infantil, alvo do turismo sexual que vem a se agravar neste período de Estado de “tudo pode para o capital e pouco pode/nada para a infância”.
Também nesta conjuntura temos a própria disseminação ideológica da classe dominante no que concerne a defesa da pratica de exceções na execução dos direitos sociais da juventude, tida como potencialmente violenta e colocando em xeque debates referente a diminuição da responsabilidade penal aos adolescentes que cometem algum tipo de ato infracional.
Este discurso vem a calhar diretamente com a percepção do Estado em relação à infância, que fica de fora da listagem dos interesses do capital, o qual busca apenas estratégias para justificar sua violência contra a juventude, como, por exemplo, a invasão da policia nas periferias para implementar ações ditas “pacíficas” a fim de garantir um melhor “acolhimento” e melhor segurança aos turistas que virão para ver os jogos.
Na verdade esses argumentos demonstram, mais uma vez, o interesse do extermínio da juventude, já que os aparatos repressores do Estado entram nas periferias justamente para rasgar o ECA e massacrar crianças e adolescentes, seja pela relação de conflito estabelecida em um espaço que deveria ser de lazer, seja pela prática direta de ações violentas, inclusive o encarceramento massivo e os assassinatos.
Esses 21 anos de idade do Estatuto da Criança e do Adolescente está sendo vivencia em um momento de complexidades e de intensificação das desigualdades sociais. Justamente por isso para nós, militantes do movimento da infância, já não basta mais nos emocionarmos com o aniversario do ECA e aplaudir os seus avanços. Não nos é mais suficiente defendermos e sermos atuantes em beneficio de uma lei. É preciso ser defensores e militantes por uma nova estrutura social que reconheça, então, em sua base, a primazia e a prioridade absoluta aos cuidados das crianças e das adolescentes.
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