Procuradoria alega que menores de idade e viciados são legalmente incapazes de escolher o que querem; decisão está nas mãos de Kassab
Marcelo Godoy e William Cardoso - O Estado de S.PauloUm parecer da Procuradoria Geral do Município é o primeiro passo para a adoção da internação compulsória de meninos de rua usuários de droga em São Paulo. O modelo recomendado é semelhante ao adotado pelo Rio e tem três fases: recolhimento, triagem e decisão judicial de internação.
O parecer desata o nó jurídico em torno da internação e coloca nas mãos do prefeito Gilberto Kassab (sem partido) a decisão política de adotar a medida na capital. "Não estou mais no processo, já superei a minha fase. Fizemos um pequeno estudo. Passamos os conceitos jurídicos, as posições favoráveis e contrárias. O Januário (Montone, secretário da Saúde) e a Alda (Marco Antônio, secretária da Assistência Social) têm de trabalhar o tema", disse Claudio Lembo, secretário de Negócios Jurídicos, pasta por onde passou o projeto, antes de ser encaminhado a Kassab.
Dois pontos são a base da argumentação jurídica a favor da internação compulsória. O primeiro é o da incapacidade civil dos menores, que não teriam plenamente o direito de escolher se querem ou não ser internados. Para a Procuradoria, eles ainda se submetem às escolhas de seus pais. O segundo argumento é de que, de acordo com a lei, os "toxicômanos também são considerados incapazes". O modelo proposto permite que o usuário seja levado à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade.
Etapas. O primeiro passo na fórmula de internação será desempenhado por assistentes sociais, que vão constatar que o menor vive na rua. Se houver resistência ao recolhimento, ficaria a cargo do agente a decisão sobre o que fazer. Inicialmente, não há a intenção do uso da força.
A segunda etapa seria a triagem do adolescente. Profissionais da Assistência Social tentarão reconduzi-lo ao ambiente familiar, verificando ainda se os pais são capazes de resgatar o filho. Enquanto localiza parentes, uma outra secretaria entra no processo: a da Saúde. Um médico vai avaliar se o adolescente é ou não dependente químico.
Não sendo possível entrar em contato com a família - ou quando o ambiente familiar é degradado - e constatada a dependência química, o caso será encaminhado ao Ministério Público, que vai pedir à Justiça a internação compulsória do adolescente. Em todos os casos, a internação dependerá de decisão judicial.
O prefeito, por meio de sua assessoria, confirmou que "recebeu estudos sobre a internação compulsória", mas ainda não tomou uma decisão sobre sua adoção ou se o modelo proposto pela Procuradoria será usado.
Durante reuniões com integrantes do Ministério Público, representantes da Prefeitura pediram mais informações sobre o modelo adotado no Rio de Janeiro. O parecer da Procuradoria indica um caminho semelhante ao colocado em prática pelas autoridades cariocas.
Caso seja implementada em São Paulo, a internação compulsória sistemática de dependentes químicos menores de idade exigirá do Município uma megaestrutura no setor de saúde, algo ainda inexistente. A capital conta hoje com 317 leitos em clínicas - 80 de administração própria e o restante em comunidades terapêuticas conveniadas.
Tornar a medida sistemática também deve custar caro. O Estado apurou que cada leito para dependentes custa R$ 2,5 mil por mês à Prefeitura. Levantamento do Departamento de Investigações sobre Narcóticos da Polícia Civil aponta que só na cracolândia, na região central de São Paulo, há uma população flutuante de 2 mil usuários de droga, embora grande parte seja formada por maiores de idade. / COLABOROU BRUNO PAES MANSO
Por dia, Rio recolhe pelo menos um jovem flagrado com crack
Clarissa Thomé - O Estado de S.Paulo
Portaria da Secretaria Municipal de Assistência Social, de 30 de maio, regulamenta o acolhimento compulsório de crianças e adolescentes flagrados com crack na capital fluminense. Entre 3 de junho e 19 de julho, 51 foram recolhidos em cracolândias. Há 82 viciados internados em quatro abrigos, que têm capacidade para 145 pacientes.
A medida, polêmica, recebeu apoio da Vara da Infância e Juventude e de promotores. E críticas de especialistas e defensores de direitos humanos. "O Ministério Público entende que não se está ferindo o direito de ir e vir. Essas crianças não vêm e vão, elas vagam pelas ruas", disse, à época, a promotora Ana Cristina Ruth Macedo.
A Ordem dos Advogados do Brasil e conselhos profissionais de Enfermagem, Nutrição e Psicologia fizeram visitas a centros de acolhimento. Identificaram falta de enfermeiros (só há técnicos), ausência de departamento de enfermagem responsável por ministrar medicamentos controlados e prescrição médica semanal, em vez de diária.
O relatório critica a metodologia de acolhimento compulsório, que, para o documento, "privilegia ação de defesa da "ordem pública", de natureza higienista travestida de assistência social". "É preciso deixar a hipocrisia de lado. É muito fácil fazer tese acadêmica com filho dos outros. Se o filho do autor do relatório estivesse na linha de trem usando crack, a primeira providência desse pai ou dessa mãe seria interná-lo numa clínica. Os jargões são muito bonitos, mas na prática são crianças jogadas à própria sorte. Se o poder público não fizer algo, ninguém vai fazer", rebateu o secretário Rodrigo Bethlem.
Segundo ele, a equipe de cada clínica é suficiente para o serviço prestado. O protocolo de abordagem da secretaria prevê que um médico ateste a dependência química. Durante o tratamento e nas crises de abstinência, são administrados ansiolíticos. Nos casos mais graves, a criança recebe calmantes injetáveis. Em média, após 45 dias a criança está apta à reinserção familiar, informa a secretaria. Nos casos mais graves, leva de oito meses a dez meses.
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